Em 18/03/2024, a ANVISA interpôs Agravo de Instrumento em face da tutela de urgência deferida na Ação Civil Pública movida pelo IDEC em face da Agência (processo nº 5001408-12.2024.4.03.6100), cujo objeto é a suspensão da RDC nº 819/2023, que prorrogou o prazo das indústrias para incluir nas embalagens de alimentos a nova tabela de informação nutricional e a lupa frontal de “ALTO EM”.
 
A decisão, proferida em 14/02/2024, determinou a suspensão dos efeitos da RDC nº 819/2023, bem como que a ANVISA se abstenha de “(…) adotar medidas que, direta ou indiretamente, autorizem o descumprimento dos prazos de implementação da RDC nº 429/2020 e da IN nº 75/2022, devendo as empresas fabricantes de alimentos processados PUP, que estejam se valendo da autorização de esgotamento de embalagens e rótulos antigos pela RDC nº 819/2023, num prazo máximo de 60 (sessenta) dias, adotarem etiquetas adesivas complementares com a (i) nova tabela de informação nutricional e (ii) a lupa frontal “ALTO EM” em todos os rótulos e embalagens desconformes com a RDC nº 429/2020 e com a IN nº 75/2020”.
 
O Agravo de Instrumento interposto pela ANVISA em face dessa decisão foi distribuído, sob o nº 5006824-25.2024.4.03.0000, à 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, estando sob a relatoria da Des. Marli Ferreira.
 
De acordo com a Agência, ao deferir a tutela de urgência, o juiz deixou de considerar os principais argumentos por ela suscitados na manifestação ID 312922817, que justificam a prorrogação do prazo para adequação de embalagens, originalmente conferido na RDC nº 429/2020, por meio da edição da RDC nº 819/2023. Tais argumentos, reforçados no Agravo de Instrumento, em síntese, são os seguintes:
 

  1. Fato notório do impacto econômico resultante da pandemia de Covid-19 e da guerra da Ucrânia, que “(…) alterou o modo de consumo e exerceu impacto significativo no planejamento de compra e utilização das embalagens de alimentos (…)”.
  2. Impacto ambiental decorrente do possível descarte de 900 toneladas de embalagens oriundas de alimentos em condições sanitárias regulares, que representam cerca de 60 milhões de reais.
  3. A RDC nº 819/2023 seguiu o rito da edição de atos normativos “urgentes” e excepcionais, que admite a dispensa da Análise de Impacto Regulatório (AIR), Consulta Pública (CP) e Avaliação de Resultado Regulatório (ARR), conforme previsto pelo art. 38 e art. 39 da Portaria nº 162/2021. A urgência decorreu da iminência do fim do prazo de adequação da rotulagem e dos prejuízos e danos irreparáveis de difícil reparação relatados pelas inúmeras empresas do setor alimentício.
  4. Ao contrário do que entendeu o juízo a quo, a edição da RDC nº 819/2023 não teve motivação parcial, tampouco visou à defesa de interesses particulares de empresas, mas sim teve por finalidade minimizar os impactos econômico e ambiental decorrentes do descarte de 900 toneladas de embalagens. Não se trata, pois, de “favorecimento ilegal”, mas sim da “(…) preservação de milhares de postos de trabalho, contribuindo para que não se agravem os impactos da crise econômica vivida nos últimos anos por diferentes setores do País, em decorrência da pandemia e do contexto econômico internacional”. A existência de manifestações das empresas interessadas não torna parcial e escusa a edição da referida Resolução, pois, além de estar amparada em argumentos consistentes e ter observado processo administrativo válido, o endereçamento de requerimentos aos órgãos públicos decorre do legítimo direito de petição. Observa, nesse sentido, que “(…) trata-se de atribuição institucional da Agência avaliar e deliberar sobre pleitos de esgotamento de estoque solicitados por diferentes setores regulados”. E, por esse motivo, “a relevância no caso concreto não está relacionada à quantidade de pleitos de prorrogação que chegaram na Agência, mas à busca da melhor solução diante da equação risco x benefício envolvida”.
  5. Ausência de prejuízo ao direito à informação dos consumidores, uma vez que as informações nutricionais já constavam da rotulagem dos alimentos antes mesmo da edição da RDC nº 429/2020, sendo certo que a RDC nº 819/2023 somente implementou regras para tornar tais informações mais legíveis e visíveis, tendo esta Resolução apenas conferido prazo adicional para o esgotamento de rotulagens e embalagens de alimentos já adquiridas antes da vigência da RDC nº 429/2020, por um prazo máximo de 1 ano. Também não há prejuízo algum decorrente da coexistência de embalagens nos modelos antigo e novo, pois, tanto os alimentos quanto os rótulos, “(…) estão todos em condições sanitárias regulares e aptos ao consumo, inclusive no que diz respeito às informações obrigatórias na rotulagem, que, como já dito, já constavam das embalagens antes mesmo da RDC nº 429/2020”. 
  6. A aposição de etiquetas adesivas, contendo as regras da RDC nº 819/2023, nas embalagens antigas dos alimentos é inviável, pois, no caso de produtos resfriados ou congelados, a etiqueta necessitaria de uma tecnologia peculiar, para assegurar que seja indelével, mesmo sob umidade e baixas temperaturas, o que elevaria excessivamente os custos para a maioria das empresas.
  7. Aspectos formais do ato normativo: a escolha da Resolução de Diretoria Colegiada para veicular o tema da RDC nº 819/2023 tem por fundamento a Lei nº 9.782/99, art. 15 e art. 187 do Regimento Interno da ANVISA. Já a dispensa de Análise de Impacto Regulatório (AIR) encontra respaldo na Lei nº 13.848/2019, art. 6º, enquanto a dispensa de Consulta Pública (CP) e de Avaliação do Resultado Regulatório (ARR) estão previstas no art. 15 da Portaria ANVISA nº 162/2021.
  8. Ressalta-se a invasão do mérito administrativo pelo Judiciário, uma vez que “(…) o controle judicial sobre os atos técnicos da Autarquia deve ficar adstrito à legalidade, sem adentrar no mérito administrativo”.
  9. Por fim, a ANVISA destaca a violação pela decisão recorrida ao art. 1º, §3º, da Lei nº 8.437/92, por não ser cabível medida liminar que esgote, no todo ou em parte, o objeto da ação, como no caso dos autos, já que “(…) esta decisão equivale à retirada de qualquer eficácia da regulamentação da Agência, ainda que a providência final venha a ser favorável à ANVISA”.

Frente a tais argumentos, a ANVISA requereu a antecipação de tutela recursal, para que a decisão agravada tenha seus efeitos imediatamente suspensos, garantindo-se, assim, a imediata retomada dos efeitos da RDC nº 819/2023, até que submetido o Agravo de Instrumento a julgamento, hipótese em que requer seu provimento, com a consequente cassação da liminar concedida pelo juízo a quo.

Desde 18/03/2024, os autos estão conclusos para julgamento.