Por Adma Diamenti

No dia 10/05/2023, a ANVISA publicou a Resolução RDC nº 786/2023, que dispõe sobre os requisitos técnicos sanitários para o funcionamento de Laboratórios Clínicos, de Laboratórios de Anatomia Patológica e de outros Serviços (farmácias e consultórios isolados) que executam as atividades relacionadas aos Exames de Análises Clínicas (EAC) e dá outras providências).

A sua vigência ocorrerá em 01/08/2023, porém, os estabelecimentos terão prazo de 180 (cento e oitenta) dias a contar da publicação da norma (a partir de 10/05/2023), para adequação aos termos da nova Resolução.


Referida norma é um marco no mercado de diagnóstico laboratorial e revogou a Resolução RDC nº 302/2005, cuja discussão para sua revisão iniciou em 2017, muito embora formalmente, o processo regulatório tenha sido deflagrado em 2019. Isto porque, no entendimento não só da ANVISA, mas de grande parte do setor de saúde, a revisão era mais que essencial frente à evolução tecnológica do setor dos laboratórios clínicos, bem como em função dos avanços tecnológicos de produtos e processos, lembrando que RDC nº 30/2005 está em vigor desde 2005, ou seja, há 18 anos.

Não há como negar que ao longo dos anos muitas mudanças foram implementadas na área na saúde, tais como, desenvolvimento de novos instrumentos/equipamentos, tecnologias, metodologias e processos tecnológicos que ampliaram o acesso da população ao diagnóstico clínico. Além de tais questões indicarem o quão obsoleta se tornou a Resolução RDC nº 302/2005 da ANVISA, no momento da pandemia, dada a urgência da realização de testes rápidos para detectação para Covid-19, a ANVISA não teve outra alternativa a não ser publicar a Resolução RDC nº 377/2020, que estabeleceu a autorização, em caráter temporário e excepcional, para a utilização de tais testes em farmácias (pesquisas apontam que foram realizados mais de 20.000 testes rápidos até 26/02/2023). A razão? O fácil acesso à população e a extensa capilaridade das farmácias (possibilitando a ampliação da capacidade de testagem para detecção do Novo Coronavírus), o que foi fundamental para enfrentamento da disseminação do Sars-Cov-2.  

Certo é que para esse novo marco regulatório, a ANVISA não mediu esforços para que a sociedade como um todo fosse envolvida na revisão da Resolução RDC nº 302/2005, tendo realizado Consulta Dirigida à profissionais de saúde, vigilâncias sanitárias e usuários do serviço, assim como Diálogo Setorial sobre a utilização dos testes laboratoriais remotos (TRL), Consulta Dirigida às vigilâncias sanitárias para mapeamento das normativas complementares, entre outros (Associações do setor, .Conselhos Profissionais de Classe, etc.)

Ainda, a ANVISA realizou consulta para captar elementos sobre o tema em outros países, para fins de comparação e referência, com vistas a chegar em um denominador comum entre a saúde, a segurança da população e o acesso à saúde, direito garantido constitucionalmente (artigo 196).

Um dos pontos de maior relevância da norma, e que também foi motivo de diversas discussões entre as ANVISA e o setor regulado, é a categorização dos serviços de saúde que realizam atividades relacionadas aos Exames de Análises Clínicas (EAC) em três Tipos, considerando a complexidade e infraestrutura exigida para cada estabelecimento de saúde:

  • Serviços tipo I (farmácias e consultórios isolados)

São aqueles habilitados a realizar exames de análises clínicas a partir de material biológico primário, desde que todas as etapas do exame sejam realizadas no próprio estabelecimento. Instrumentos para leitura, interpretação ou visualização do resultado apenas poderão ser utilizados na hipótese de formalização de contrato de supervisão com Serviços Tipo III, observados os requisitos para tanto,do contrário, apenas será permitida a realização de testes que não necessitem de tais instrumentos.

 Dentre outras limitações, o Serviço tipo I estará proibido de coletar material biológico por punção venosa ou punção arterial e de realizar exames de uroanálise.

Portanto, a partir da vigência da norma, as farmácias poderão realizar testes conhecidos como “testes rápidos”, com a finalidade de triagem, sem fins confirmatórios, com vistas a compor as ações de assistência farmacêutica, assistência à saúde e orientação sanitária em linha com as disposições da Lei nº 13.021/2014 e com os preceitos da Resolução RDC nº 44/2009 (que sofreu alterações previstas na Resolução RDC nº 786/2023), tratando-se, assim, de uma ampliação do escopo dos exames que já eram permitidos.

Ainda, nesse tipo de serviço estão incluídos os consultórios isolados, que segundo a definição da norma, é o estabelecimento assistencial de saúde (EAS) que realiza atividades especializadas de assistência à saúde, sob responsabilidade técnica de profissional de saúde de nível superior legalmente habilitado.

  • Serviços tipo II (posto de coleta)

São aqueles estabelecimentos habilitados a realizar todas as etapas da fase pré-analítica (coleta, armazenamento, acondicionamento, processamento e transporte de material biológico), bem como aqueles citados no Serviço tipo I, desde que atendidos os requisitos técnicos previstos na nova RDC. Além disso, a norma permite a transcrição do laudo emitido pelo Serviço Tipo III, desde que garantida, de forma ostensiva, a identificação e rastreabilidade do serviço responsável pela etapa analítica, a fim de expor o laboratório clínico, que é responsável pela qualificação do Serviço Tipo II a ele vinculado.

Ao serviço tipo II fica proibida a realização da fase analítica do EAC por meio de metodologias próprias (in house).

  • Serviço tipo III (laboratório clínico, laboratório de apoio e laboratório de anatomia patológica)

São aqueles estabelecimentos que podem executar todos os EAC (com emissão de laudo laboratorial assinado por profissional legalmente habilitado), contar com Laboratórios de Apoio, tanto nacionais como internacionais, para realizar os exames que não executa, mediante a formalização de contrato.

Deste modo, os Serviço Tipo III serão autorizados a realizar todos os EAC: realizar a coleta, recebimento, armazenamento, acondicionamento e transporte de material biológico, enviar material biológico para realização de EAC por Laboratório de Apoio, realizar serviço de coleta e execução de EAC em unidade itinerante, em domicílio, em empresa e em Estabelecimento Assistencial de Saúde – EAS.

Outra novidade é a previsão do serviço de EAC itinerante tipo II ou tipo III, que deverá estar vinculado a um Serviço Tipo III fixo, bem como deverá observar os requisitos de boas práticas e infraestrutura previstos na norma, proibindo que o Serviço de EAC Itinerante preste assistência com a sua estrutura física em movimento.

Na Resolução RDC nº 786/2023 há capítulos específicos acerca da Gestão da Qualidade e da Gestão do Controle da Qualidade (GCQ), que deverão ser observados por todos os serviços que executam EAC e a Central de Distribuição (atividade que igualmente será contemplada na norma, frisando que não realiza nenhuma etapa analítica, mas tão somente as atividades relacionadas ao armazenamento, acondicionamento e transporte de material biológico), reforçando que todos os estabelecimento deverão implementar um Programa de Garantia da Qualidade.

Toda as mudanças trazidas, especialmente a ampliação do escopo das farmácias, demonstra que embora já fosse uma realidade vivenciada (por meio de medidas judiciais e período de pandemia), havia necessidade de regulamentação, segurança jurídica e maior clareza da autoridade sanitária, a fim de que o acesso à saúde não se restringisse a um direito constitucional garantido, mas, igualmente, a um acesso real e tangível para toda a população brasileira.

Nota: Este texto foi embasado na Resolução RDC nº 786/2023 e no VOTO Nº 47/2023/SEI/DIRE3/ANVISA proferido pela Diretoria Colegiada da ANVISA, cujo relato demonstra o incansável trabalho da Agência e da sociedade na construção de uma norma mais atualizada frente às inovações e avanços tecnológicos na área da saúde.